Nada será como antes – 2

Quem via Trump como um lunático disposto a pôr fogo no mundo, agora o aplaude como artífice da paz. É preciso estudar as ações do presidente antes de lidar com ele

Cerca de oito meses atrás, esta coluna falou sobre as expectativas em torno do segundo mandato de Donald Trump na presidência dos Estados Unidos. Semanas antes, no dia 20 de janeiro, ele havia retornado à Casa Branca e já no primeiro dia de seu novo governo, com seu estilo peculiar de falar e de tomar decisões, ele havia deixado claros os princípios que guiariam sua atuação. Naquele momento, foi dito aqui, com todas as letras, que Trump entraria na história — só não se sabia em que posição.

Com o mesmo título deste artigo — Nada Será Como Antes —, o texto publicado no dia 16 de fevereiro passado dizia que, no fim do mandato de Trump, o mundo não seria o mesmo que era no início. E traçava um cenário que ainda hoje, quase dez meses depois de seu retorno à Casa Branca, permanece o mesmo.

Ele seria visto como o líder que foi capaz de resolver problemas que pareciam sem solução ou, então, como o louco que pôs fogo no mundo. Isso é tão atual que as duas possibilidades, apresentadas logo no primeiro parágrafo do texto de fevereiro passado, merecem ser recapituladas:
“Muita gente, que julga as propostas de (…) Trump pelas aparências”, dizia o artigo, “acredita que ele terá seu nome incluído entre os malucos que tornaram o mundo um lugar pior do que era antes dele surgir e pôr suas ideias em prática. Esta é a primeira hipótese. A outra possibilidade, que muito menos gente considera provável, é a de que Trump passe para a história como o líder que foi capaz de alterar a lógica do comércio internacional, conter o ímpeto expansionista da China e acabar com conflitos seculares entre povos que nunca foram amigos”.

Pois bem… A situação permanece mais ou menos a mesma e o papel que a história reservará para Trump ainda não foi escrito na íntegra. Mas, diante dos acontecimentos dos últimos dias e da aceitação do acordo que pode levar ao fim das hostilidades históricas entre o Estado de Israel e os terroristas do Hamas — algo que parecia improvável em fevereiro —, aqueles que apostavam no triunfo do Trump incendiário sobre o Trump solucionador de problemas parecem estar mudando de lado. Na mesma semana, porém, Trump voltou a endurecer as relações comerciais de seu país com a China. Impôs tarifas de 100% sobre os produtos importados da potência asiática — o que abalou os mercados no mundo inteiro. Com esse gesto, os que apostam no homem disposto a atear fogo em tudo voltaram a ganhar terreno.

Ainda é cedo, portanto, para dizer qual imagem Trump terá no último dia de seu mandato. É inegável, porém, a dimensão e o impacto positivo do anúncio do fim das hostilidades no Oriente Médio, que foi feito pelo próprio Trump em suas redes sociais, na quarta-feira passada. “Tenho muito orgulho em anunciar que Israel e o Hamas assinaram a primeira fase do nosso Plano de Paz”, disse. “Isso significa que todos os reféns serão libertados em breve e Israel retirará suas tropas para uma linha acordada, como os primeiros passos em direção a uma paz forte, duradoura e eterna”.

RIVIERA DO ORIENTE — Por mais desejado e necessário que seja, é pouco provável que o acordo, por si só, signifique o fim definitivo das hostilidades na região mais conflagrada do mundo. O certo é que a atitude de Trump, sustentada sobre o poderio bélico e econômico da grande potência do mundo, é essencial para que o acordo dê certo. Se tudo não for acompanhado passo a passo desde o primeiro minuto e se os Estados Unidos, com a autoridade e o poder que demonstrou até agora, não continuar sendo o fiador do novo pacto, o tratado pode não resistir à instabilidade histórica da região e ter o mesmo destino das tentativas anteriores de promover a paz no Oriente Médio.

Trump está ciente disso e manifestou, inclusive, a disposição de despachar uma força militar que terá presença física na região e assumirá a responsabilidade de assegurar que tudo saia conforme foi combinado. O que se sabe, neste momento, é que o acordo está valendo e prevê, em sua primeira etapa, a libertação de todos os reféns israelenses ainda em poder dos terroristas do Hamas. Prevê, também, a devolução dos corpos dos que não resistiram a dois anos de sevícias, fome e humilhação nas mãos dos torturadores que os arrancaram de suas casas no dia 7 de outubro de 2023.

Prevê, além disso, a saída de mais de dois mil prisioneiros palestinos das penitenciárias de Israel — entre eles, 250 terroristas condenados à prisão perpétua. Também está prevista a deposição das armas pelos facínoras do Hamas, a retirada das Forças de Defesa de Israel da Faixa de Gaza e a transferência do controle da região — que estava nas mãos dos terroristas do Hamas — a uma coalizão internacional que deverá ser confiada ao comando do ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair.

Ainda há muitos detalhes para serem ajustados. O que interessa, neste momento, é que um plano mirabolante, que não parecia mais do que um devaneio da cabeça de Trump quando foi mencionado pela primeira vez, no dia 4 de fevereiro, parece a cada dia mais próximo de se tornar realidade. Naquele dia, só para recordar, o presidente dos Estados Unidos falou pela primeira vez em, depois do fim da guerra, transformar a Faixa de Gaza numa espécie de “Riviera do Oriente Médio”. Muita gente, inclusive no Brasil, criticou a proposta antes de procurar conhecer a lógica que a orientava. Houve até quem acusasse Trump de querer lucrar com as dificuldades do povo palestino.

A ideia, no entanto, ia muito além das questões rasteiras motivadas pelas visões oportunistas e pelo ódio histórico ao povo judeu dos grupos que transformam o conflito no Oriente Médio em tema de seus panfletos políticos. Mais do que isso, ela estava muito acima da capacidade de compreensão daqueles que se apoiam no sofrimento do povo para ver prosperar suas ideias políticas retrógradas e populistas. O que Trump propunha, desde o início, era reconstruir Gaza sobre novas bases e proporcionar aos palestinos que vivem na região um direito que ele nunca teve: o de sonhar com um futuro melhor.

A ideia por trás desse plano aparentemente visionário consistia em oferecer possibilidades dignas de trabalho, renda e conforto para os moradores da região, ao invés de condená-los a viver sob o jugo dos terroristas que usam a população como escudo e transformam as cenas do sofrimento de seu próprio povo em peças de sua propaganda. E, mais do que isso, dos que manipulam os fatos e utilizam o sofrimento que fomentam como o chamariz para atrair ajuda internacional que, invariavelmente, é desviada para armar os terroristas e alimentar a vida nababesca que os cabeças da organização levam no Catar.

SONHO DOURADO — Pode ser que o acordo sofra algum percalço nos próximos meses. Os “negociadores” do Hamas — que, como terroristas que são, nunca assumem a responsabilidade pelos próprios atos e sempre culpam as vítimas pelas atrocidades que cometem — já deram a entender que não responderão pela atitude de “dissidentes” que eventualmente estejam insatisfeitos com os termos do acordo.

O que se espera, porém, é que, no curto prazo, tudo siga conforme foi planejado por Trump. Essa possibilidade ganha uma dimensão bem maior quando se chama atenção para um detalhe que tem sido pouco comentado até agora. Neste exato momento, os administradores dos fundos de investimento dos países árabes, que não sabem o que fazer com os bilhões de dólares que têm sob seu controle, já esfregam as mãos à espera das oportunidades de negócios que surgirão no processo de reconstrução de Gaza.

Se tudo sair conforme o script, os escombros das construções precárias que abrigavam as residências do povo sofrido da região logo serão removidos e darão lugar a avenidas largas, habitações seguras e hospitais que não servirão de quartéis para terroristas, mas apenas para proporcionar saúde à população. Também está prevista a instalação de escolas e universidades tão boas quanto as israelenses. Startups deverão oferecer oportunidades de um futuro digno para a juventude local. A indústria pesqueira voltará a funcionar.
E (claro que sim!) haverá hotéis luxuosos com milhares de empregos para oferecer, restaurantes estrelados, parques temáticos e outras atrações que agitarão a economia local e convencerão turistas endinheirados do mundo inteiro a usufruir das belezas da belíssima costa mediterrânea de Gaza.

Tudo isso, por enquanto, não passa de um sonho dourado. O que há de concreto, além do interesse dos investidores árabes em financiar o processo de reconstrução, é que, com a intervenção de Trump, foram estabelecidas as condições de um cessar-fogo. Se este momento não for visto pelo que restou do Hamas como uma pausa para recuperar o fôlego antes de voltar a cometer atrocidades como a do dia 7 de outubro de 2023, essa pode ser a primeira oportunidade de se garantir a paz duradoura na região. Além de significar uma chance de prosperidade e de segurança para o povo palestino.

A libertação dos reféns e a deposição das armas pelo Hamas, os pilares sobre os quais se assentam a proposta de Trump, são as mesmas condições que, desde o início do conflito, Israel impôs para retirar suas tropas de Gaza e deixar de fazer vítimas entre a população civil transformada em escudo humano pelos terroristas. Caso os terroristas queiram boicotar o processo, o sonho dourado poderá se transformar em um pesadelo incandescente. Trump já deixou claro que o descumprimento dos termos do acordo fará com que ele mude de ideia, deixe de ser o promotor da paz e se uma a Israel para fazer de Gaza “um inferno como nunca foi visto”.

POSTURA FROUXA — O certo é que o mundo torce para que tudo saia como foi imaginado por Trump e que o conflito tenha um desfecho que parecia impossível desde que os terroristas do Hamas — açulados pelos chefões que vivem refestelados em hotéis de luxo do Catar — invadiram Israel, estupraram mulheres, assaram bebês vivos em fornos de micro-ondas, degolaram crianças, assassinaram idosos e civis indefesos e arrastaram para suas masmorras mais de duas centenas de reféns.
Israel levou ao extremo seu direito de reagir e, ao contrário do que aconteceu em agressões anteriores, desta vez não recuou diante da pressão de inimigos. Sobretudo daqueles que, disfarçados de defensores de direitos humanos e protegidos por causas pacifistas nas quais nem eles mesmos acreditam, exigiram que as Forças de Defesa depusessem as armas e continuassem oferecendo a face aos terroristas.

Talvez a guerra prosseguisse até que os dois lados estivessem aniquilados caso Trump não retornasse à Casa Branca. Naquele momento, a postura titubeante e frouxa de seu antecessor, Joe Biden, diante do conflito foi substituída por ações concretas e capazes de cessar as hostilidades. Desde sua posse, o novo presidente adotou uma atitude proativa que, sem esconder o apoio incondicional a Israel, tomou atitudes concretas que apontavam para o fim da guerra.

A mais visível dessas atitudes foi o ataque frontal, com uso de aviões supermodernos e bombas de alto poder explosivo, ao principal apoiador dos terroristas, o Irã. A consequência foi o corte das linhas de suprimento de armas e dinheiro que sempre ajudou a financiar as hostilidades contra Israel. Isso, claro, asfixiou o Hamas, o Hezbollah, os Houthis e outras facções sanguinários que não têm como objetivo a “libertação do povo palestino”, como defendem os terroristas. E, pior do que isso, como acreditam os inocentes úteis que os aplaudem, organizam passeatas de apoio e embarcam em flotilhas em defesa dos estupradores fantasiados de paladinos da liberdade.

PEDRAS BRANCAS — Nada disso teria acontecido, é óbvio, se Trump não tivesse retornado à Casa Branca e voltado a agir conforme o roteiro comentado por esta coluna, duas semanas atrás. Num texto intitulado Em Busca do Entendimento Possível, que avaliou a possibilidade de entendimento do Brasil com os Estados Unidos depois de dez meses de um confronto desnecessário e alimentado por pirraças de lado a lado, foi feita uma alusão ao jogo de xadrez. Ali se dizia que o líder americano sempre joga com as pedras brancas, que dão a ele a iniciativa do ataque — e, por consequência, obrigam o adversário a se defender.

Foi Trump, tendo o mundo inteiro por testemunha, que mencionou, da tribuna das Nações Unidas, de onde discursava, o encontro que teve com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva na antessala da Assembleia Geral. Fez elogios e propôs que conversassem. Na segunda-feira passada, os dois trocaram um telefonema que durou meia hora e, por ter contado com a ajuda de intérpretes (já que nem Trump fala português, nem Lula fala inglês), deve ter resultado em 15 minutos de conversa.

Depois disso, partiu do Secretário de Estado Marco Rubio — que havia sido designado por Trump como o interlocutor oficial dos Estados Unidos nas negociações com o Brasil — o telefonema ao chanceler Mauro Vieira. A conversa terminou com o agendamento de uma reunião presencial, prevista para acontecer esta semana em Washington.

Essa aproximação é importante, mas ainda é cedo para dizer, como vem sendo dito por muita gente no Brasil, que esses dois telefonemas tenham sido suficientes para resolver tudo e que, daqui por diante, o relacionamento entre os dois países correrá às mil maravilhas. E, principalmente, que os Estados Unidos recuarão de todas as medidas tomadas desde julho. Só para recapitular, as medidas incluem tarifas de 50% sobre as importações brasileiras. Também incluem investigações com base na Seção 301 — que visa esclarecer práticas comerciais desleais —, além de sanções e cancelamentos dos vistos de entrada nos Estados Unidos de uma série de autoridades e de seus parentes.

Depois desses telefonemas, algumas autoridades brasileiras — inclusive o ministro da Fazenda, Fernando Haddad — passaram a agir como o contencioso entre os dois países não passasse de um mal-entendido. Tudo se resumiria às informações sobre as instituições brasileiras, que chegaram distorcidas aos ouvidos das autoridades de Washington por meio do deputado Eduardo Bolsonaro. Desde julho passado, o filho do ex-presidente Jair Bolsonaro vive nos Estados Unidos e não esconde de ninguém suas movimentações em companhia do jornalista Paulo Figueiredo.

Com trânsito em gabinetes e autoridades, os dois, de fato, têm feito o que podem para criar embaraços para o governo brasileiro. Mas daí a dizer que são eles os responsáveis pelas decisões da Casa Branca é, além de dar à dupla um poder que nunca teve, ignorar os critérios e o profissionalismo da diplomacia americana. A questão é: será que um país como os Estados Unidos, que conta com um serviço de informações e inteligência espalhado pelo mundo inteiro, precisaria de informações de Figueiredo e Bolsonaro para saber o que se passa no Brasil? Será que eles não sabem que, em 201 anos de relações, os Estados Unidos já sabem tudo o que deveriam saber sobre o país?

Se a intenção dos negociadores brasileiros for a de repetir o que os Estados Unidos já sabem e não a de remover os obstáculos reais que geraram as animosidades entre os dois países, talvez seja melhor nem avançar com a conversa — prevista para ter início esta semana com uma viagem a Washington de uma delegação chefiada por Vieira. Com relação a isso, também não custa lembrar o que foi dito neste espaço oito meses atrás.

O texto de 16 de fevereiro recomendava que Brasília não procurasse “medir forças” com os Estados Unidos antes de avaliar o que pode perder caso opte por contrariar os interesses americanos apenas para se manter fiel a seus aliados do BRICS. Chegou a hora do Itamaraty deixar de lado a companhia indesejável das ditaduras que tem apoiado nos últimos anos e buscar (…) o entendimento bilateral com o Departamento de Estado. Será que isso será possível?”
A resposta a essa pergunta virá nos próximos dias. E tudo vai depender da diplomacia brasileira, ao contrário do que tem feito até aqui, deixar de lado a postura ideológica que tem orientado suas ações e colocar os interesses do Brasil em primeiro lugar.

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